Saindo do
virtual...
Após umas férias magníficas em Gramado e Canela – Rio Grande
do Sul – voltei à minha dura realidade...
Já faz muito tempo que não saio de casa para trabalhar...
O tempo aqui no Rio ainda está um pouco instável e acabo
adiando por uma semana o início da obra...
Estou morrendo de
medo...
Quase chego a pensar em abortar a empreitada...
É muita responsabilidade...
Estamos agora a falar em obra real, com cimento, areia,
pedra, pó, sujeira, e outros bichos...
Isto num ambiente totalmente selvagem, não mais o meu
confortável e climatizado escritório...
Deixar o meu habitat virtual e emergir no rude e rústico
ambiente real...
Meus amigos e familiares não entendem bem o porquê de tal
loucura, e eu quase começo a dar-lhes razão...
As chuvas terminaram e o rei Sol exibe-se em todo o seu
esplendor...
Estamos em pleno verão – Rio 40 Graus...
Encho-me de coragem e dou inicio às encomendas de
material...
Agora não tem mais volta... (vulgo “ferrou”...)
Neste tipo de obra 70% do material é adquirido logo no
início, e como se trata de uma pequena casa, tenho que agrupar as compras para
que os montantes sejam significativos para darem lugar aos respectivos
descontos...
Pormenor: convém não errar muito... rss...
A primeira coisa a fazer é o barracão (até parece escola de
samba... rss...).
Encontrei o fornecedor bem distante da obra, mas ele só
entrega às sextas-feiras...
Não seja por isso... Aqui o problema torna-se solução...
Está encontrado o dia do início da obra: próxima sexta-feira
- 20 de Janeiro 2012, dia de S. Sebastião padroeiro da cidade do Rio de
Janeiro...
Aqui no Rio o horário da construção civil, quando não se
deseja trabalhar aos sábados, é das 7 às 5, o que significa que tenho de sair
de casa às 6:15...
Coloco o despertador para as 15 para as 5, ou cinco menos um
quarto se preferirem e tento dormir...
É claro que às duas da madrugada já estou desperto e fico
revendo todo o projeto, para verificar se ainda subsistem algumas falhas...
O despertador finalmente toca e levanto-me de sobressalto
para encarar aquele dia tão especial...
Já no carro e com os pensamentos a mil ao entrar na via
principal vejo que está com transito muito intenso beirando o caos...
Um pequeno pormenor havia me passado despercebido:
- Como é feriado na cidade do Rio e o sol está brilhando em
toda a sua magnificência, parece quase o êxodo dos judeus do Egito... Os
cariocas fazem fila na estrada para a região dos Lagos, que por acaso é a mesma
que dá acesso ao condomínio onde vamos construir...
Em Manilha o transito chega a parar e vejo-me na obrigação
de ligar para o encarregado avisando que irei chegar atrasado...
Muito bonito... Atrasado no primeiro dia de trabalho... E eu
que detesto chegar atrasado...
O dia não está começando muito bem...
Felizmente aquela paragem não foi muito demorada e mesmo com
o transito muito pesado consegui chegar dentro dos dez minutos de tolerância
plausíveis...
Logo na chegada mais uma má novidade apareceu:
Um dos serventes não tinha aparecido...
Segunda má notícia do dia e ainda nem havíamos iniciado a obra...
Será um mau presságio?...
Estava eu, o encarregado José, e um servente, frente a um
lote vazio onde somente subsiste uma pequena árvore...
Um lindo dia estava acabando de nascer e o calor já se fazia
sentir...
O grande dia finalmente tinha chegado e estava na hora de iniciar os trabalhos...
Enchi meus pulmões de ar e declarei:
Vamos ao trabalho meus senhores...
A tarefa do dia seria fazer o barracão para termos lugar
para guardar as ferramentas pesadas, cimento e outros materiais, um banheirinho (que ninguém é de ferro) e uma parte coberta com bancada destinada à execução de
pequenos trabalhos e nos fornecer abrigo nas intempéries...
Maior parte do material dependia daquele fornecedor que só
entregava às sextas-feiras e que nos levou a iniciar a obra naquele dia.
Como o material só chegaria durante o dia, começamos a
demarcar o terreno e a marcar o posicionamento do “radier” (alicerce em forma
de laje) onde iríamos erigir a casa.
Marcamos também o lugar da fossa e do filtro anaeróbio (que
funciona sem deixar entrar o ar) e o servente pôde começar a cavar os
respectivos buracos...
O Sol estava de matar passarinho em pleno vôo...
Era o dia mais quente do ano até ao momento...
Minha pele sensível e totalmente desabituada de tais
agressões solares, ardia feito peixe em óleo fervente e a sede era de matar...
Felizmente o experiente encarregado tinha previsto tal
situação e havíamos levado alguma água gelada, mas que logo acabou...
Saí para comprar água e adquirir no mercado local alguns
materiais...
Na volta, vi que o caminhão de pedra estava chegando e
encomendei também um caminhão de areia.
Infelizmente a capacidade dele era menor que havia previsto
e vi que teria de encomendar um pouco mais depois...
A madeira para fecho do barracão – MDF – havia chegado, mas
o principal ainda não... Isso é demais para mim, rss...
O servente continuava cavando o solo...
Depois de escassos centímetros o solo ficou bem duro...
Muito bom para o alicerce, péssimo para quem tinha de cavar um buraco de um metro e outro de dois...
Disse-lhe para ir devagar... Que o Sol estava muito intenso
e ele teria que fazer algumas pausas para se hidratar e fugir daquele sol
impiedoso...
Eu me refugiava na sombra sempre que possível e mesmo assim
já estava com a minha pele pegando fogo e totalmente exausto...
Era por isso que tinha contratado dois serventes... Numa
situação destas a divisão do trabalho resolveria o problema... A falta de um
deles, fez com que este ficasse ali
isolado, debaixo daquele sol e com certeza não iria agüentar por muito tempo.
Eu e o José batemos o nível do terreno e mais um imprevisto
surgiu...
Era necessário nivelar o terreno e a quantidade de terra a
mover-se era significativa...
Perguntei ao meu fornecedor local se me poderia arranjar 3
serventes e ele disse que segunda-feira estariam na portaria do condomínio à
minha espera...
Numa obra as decisões necessitam de ser quase imediatas, senão
o ritmo se perde e a coisa desanda...
Trabalhar sob um sol violento já é difícil, imaginem se não
damos ritmo à obra?...
O material não pode faltar, e sempre temos de ter tarefas
alternativas – parar é morrer...
O encarregado sugeriu que o homem da máquina retro-escavadora
ao passar de manhã tinha-se posto à disposição...
Não pensei duas vezes e fui falar com ele...
Excelentes notícias, por cem reais ele faria o serviço no
final do dia e ainda cavava aquele imenso buraco que nos estava angustiando...
Mandei o servente parar, liguei para desmarcar os 3
ajudantes e pedi só dois...
Afinal aquele contratempo talvez se voltasse a nosso favor,
pois aquele buraco estava-me preocupando demais...
Tive a infeliz idéia de ir almoçar em casa, pois queria
aproveitar e pegar mais alguns elementos do computador, mas tornou-se num
grande erro...
Aquela via que de manhã estava um caos, agora estava bem
ordenada, mas totalmente parada...
Aproveitei para ligar para a menina da madeira e ela me
disse que o caminhão já tinha saído e que a qualquer momento estaria chegando
na obra...
Após ter tentado um caminho alternativo que não deu em lugar
algum, fui por outro onde o transito estava um pouco melhor... Nessa
brincadeira perdi quase duas horas e a minha paciência, é claro...
A madeira não tinha chegado ainda e nada mais se podia
fazer... O pior estava acontecendo: os homens estavam parados...
Mas se a máquina viesse no final da tarde recuperaríamos
esse tempo perdido...
Por volta das quatro horas voltei a ligar para a madeireira,
foi quando a menina me disse que afinal a madeira não pôde seguir porque um
caminhão tinha se quebrado, mas que no dia seguinte, pelas primeiras horas ela
estaria na obra sem falta...
Eu fiquei doido... Iniciamos a obra naquela sexta-feira por
causa daquele fornecedor e agora, só às quatro horas da tarde a menina me diz
que eles não vão poder entregar a mercadoria... É claro que a menina teve que
ouvir algumas verdades e pedir algumas desculpas...
Mais um revés, e desta vez dos grandes...
O objetivo do dia tinha ido para as “cucuias”, e estávamos
ali os três com cara de palermas olhando uns para os outros à espera da
famigerada máquina...
Mas se ele viesse pelo menos algo se iria resolver...
Dá cinco horas e a expectativa aumenta... Já perto das cinco
e meia e em estado de choque, pego no carro e vou ver se encontro o homem da máquina...
Novidade: Ele tinha-se ido embora...
Fiquei furioso, mas um dos homens que estavam na portaria disse-me que no dia seguinte ele estaria no condomínio para fazer alguns trabalhos particulares...
A esperança é a última que morre e como tínhamos que lá ir
no dia seguinte para receber a madeira, talvez se encaixa-se de forma bem
deformada... Talvez os defeitos se tivessem transformado em feitios...
Voltei para o lote meio cabisbaixo e dei a triste notícia
para o pessoal...
Protegemos o material que chegou com um plástico, pedimos ao
vizinho para ficar de olho e viemos para casa...
Conclusão:
Depois de meses e meses de projeto e preparação o primeiro
dia foi um verdadeiro DESASTRE...
Voltei para casa com um sorriso bem forçado, e depois do
banho apaguei no sofá após de ter ingerido um pequeno sanduíche...
Sonhador sofre... rss...
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Será que o sábado vai compensar todas essas desventuras?...
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Não percam as novas aventuras do português sonhador metido a
pedreiro... rss...